01/06/2004 – ALERTA ÉTICO – DOENÇA CAUSADA PELO TRABALHO

Doença causada pelo trabalho

Alerta Ético: Levando-se em conta o dia-a-dia atarefado dos médicos, certos deslizes éticos, em maior ou menor nível, podem passar despercebidos. Preste muita atenção para evitar eventuais problemas!

Doença causada pelo trabalho

Nem sempre é fácil para o médico do trabalho identificar o nexo causal entre doença e atividade profissional – já que a pessoa pode desenvolver algum tipo de problema que a impeça de exercer normalmente suas funções, em virtude de esforços realizados em casa, durante práticas esportivas etc.

Ainda assim, a normatização existente sobre o assunto prefere não correr o risco de prejudicar o trabalhador: por exemplo, Resoluções do Cremesp (76/96) e do CFM (1488/98) são bastante diretas, ao determinar que cabe ao especialista providenciar a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), mesmo perante a suspeita da existência da relação entre trabalho e algum tipo de moléstia de funcionário.

No caso de a suspeita ser confirmada por perito do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o simples fornecimento do CAT pode propiciar ao acidentado, entre outros benefícios, um ano de estabilidade no emprego.
Ao que tudo indica, tal raciocínio não influenciou a decisão do Dr. Abelardo*, que atua em ambulatório de empresa, de considerar “apta” para ser demitida a funcionária Maura*. Diga-se de passagem, a quem havia atendido mais de dez vezes em dois anos, com queixa de dores no membro superior direito; assinados vários pedidos de afastamento do serviço devido à tenossinovite (inflamação no tendão) e até encaminhando a colega ortopedista – oportunidade em que confirmara que a moça exercia atividades repetitivas em ambiente de trabalho.

Contradições à parte, na opinião da paciente, ao endossar sua demissão, o grande equívoco do profissional foi seguir apenas as exigências do Departamento de Recursos Humanos ou da Tesouraria, como esclareceu em sua denúncia ao Cremesp.

Ouvido, o Dr. Abelardo deu enfoque bem diferente à história: segundo ele, a responsável por todos os dissabores fora a própria Maura, classificada como rebelde e irônica e capaz de colocar-se na situação de vítima, esquecendo-se de apontar que, durante todo o acompanhamento, apresentou enorme resistência em aceitar as recomendações para um efetivo tratamento de sua patologia. Em resumo: atribuiu a denúncia a uma relação médico/paciente prejudicada.

Em seu relato, usou como argumentos, ainda, o fato de a paciente, quando demitida, estar trabalhando há meses sem queixas ortopédicas e de nenhum dos outros funcionários do mesmo setor haver desenvolvido quadro parecido. Mais longe: afirmou que o nexo causal da doença nunca lhe ficou esclarecido, pois a moça exercia atividades domésticas – talvez a razão da tenossinovite.

Foi justamente esse um dos pontos destacados na ponderação do Cremesp por abertura de Processo Ético Disciplinar: é difícil entender como o Dr. Abelardo nem sequer considerou as chances de doença ocupacional após descrever, de próprio punho, a presença de movimentos repetitivos no trabalho, com a agravante de ter sido alertado por colega ortopedista, desde o início das queixas da funcionária, de que tais movimentos são fatores de risco importantes para o surgimento de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).

Entre os artigos do Código de Ética Médica focalizados pelo relator do Conselho vale citar o 12: “o médico deve buscar a melhor adequação do trabalho ao ser humano e a eliminação ou controle dos riscos inerentes ao trabalho” e o 41, que proíbe “deixar de esclarecer o paciente sobre os determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença”.

Destacaram-se, ainda, vários artigos da Resolução Cremesp nº. 76, entre os quais o que lembra aos médicos do trabalho (especialmente àqueles que atuam na empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde, sua “responsabilidade solidária com o empregador, no caso de agravos à saúde do trabalhador”).

* Os nomes foram trocados para garantir a privacidade dos envolvidos
** Texto produzido pelo Centro de Bioética do Cremesp

Extraído do CREMESP
http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=367
Edição 202 – Junho/2004

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